"Não penso muito em Berlusconi"
Acredita que a credibilidade do Protocolo dos Sábios do Sião acaba definitivamente com a publicação deste seu romance ou é mais uma acha na fogueira?
Sei que vão traduzir o livro nos países árabes e espero que essa situação possa servir para algo. Depois de se o ler, creio que qualquer pessoa honesta passa a poder entender, salvo os loucos que existem sempre, a verdade. Ninguém poderá afirmar que o livro não é correcto, mesmo que tenham encontrado na Internet todos esses rumores e histórias sobre o meu livro. Já tive essa experiência com O Pêndulo de Foucault, em que se faz uma representação grotesca do ocultismo, ao receber um telefonema do prior dos Templários, que levou o livro a sério. Quanto a isso nada posso fazer, porque há sempre loucos que repetem a sua própria obsessão. Eu gozei com os ocultistas no Pêndulo e o que disseram era que escrevi a verdade.
Porque escreve este livro como um folhetim ao estilo de Dumas?
As fontes que me permitiram as descobertas para este romance, no caso do Protocolo e sobre a reunião no cemitério de Praga, provêm dos folhetins de Alexandre Dumas e de Eugène Sue. Em que o falso tinha sido construído sobre acontecimentos verdadeiros e recriados sob essa atmosfera típica de folhetim.
Que tipo de pesquisa fez para descrever todos estes factos assim?
Fiz bastante investigação. Nesta vitrina [na sala, atrás do sofá onde estava sentado] estão todas as primeira edições dos livros de que falo, que são apenas uma pequena amostra do que recolhi durante seis anos. Até descobri coisas que desconhecia, como o anti-semitismo socialista, num livro de um representante do anti-semitismo socialista. Que é muito forte nos meios inspirados por Fourrier [crítico do cristianismo, conservadorismo e do niilismo], e descobri várias personagens verdadeiras, como é o caso de Taxil, que até se supõe que tenham sido inventadas. Entendi isso devido ao comentário do meu tradutor francês, que, até a meio do seu trabalho, achava que eu o tinha inventado. A razão é simples: a sua história foi praticamente esquecida. Por isso é que eu empreguei seis anos a penetrar nesse mundo antes de escrever este livro.
No entanto, cada vez que sair uma tradução a polémica irá regressar?
Não sei se isso acontecerá. É curioso como os romances se comportam de um país para o outro. Em Itália acusaram-me de anti-semitismo - ousaram até utilizar esse termo quando o que eu queria era denunciar o anti-semitismo e contar o que aconteceu. Era como se acusassem Dante de justificar o adultério porque, na Divina Comédia, Paulo e Francesca representam essa situação. Só que não era o que ele desejava fazer! É o mesmo que um professor de Química escrever um texto com instruções para fazer um veneno, isso não faz dele um potencial autor do envenenamento da sua mulher. Eu não tenho essa preocupação em ser mal-entendido porque, na minha opinião, era necessário que se contasse esta história, ou as pessoas continuarão a levar a sério o Protocolo dos Sábios do Sião.
Quem consultar a Internet, contudo, encontrará imensas acusações de que é anti-semita. Como convive com isso?
Eu tenho uma história. Grande parte da minha vida foi consagrada à luta contra o racismo, e os judeus italianos conhecem bem as minhas posições.
Já fez a seguinte pergunta aos críticos: "O meu livro tem ou não uma função reveladora?" Faço-a a si.
Se se espera que o meu livro esclareça quais são as origens e o processo do racismo; como se constroem os falsos protocolos ou o caso Dreyfus, então é revelador. Já agora conto que recentemente, em Jerusalém, um arquitecto que escapou ao holocausto veio dizer-me que só agora é que compreendeu como é que o anti-semitismo se formara. Eu construí uma personagem miserável, um mentiroso, que não tem nada a ver com o que eu penso.
Que, coincidentemente, até nasceu no Piemonte, como é o seu caso...
Ele é piemontês porque eu precisava de o pôr numa época histórica. Seria incapaz de me enfiar nas calças de um estrangeiro, enquanto nas de um piemontês isso é-me muito mais fácil. Todos os escritores o fazem, Moravia escrevia todos os seus romances sobre gente que morava em Roma porque era o cenário que conhecia.
Não receia que este livro fira a ecomania que existe no mundo?
Há uma ecomania?!
Sim, O Nome da Rosa mantém-se como um dos livros eleitos por leitores de todo o mundo. Já vendeu uns 30 milhões de exemplares...
Não foi tanto, talvez uns 20 milhões. Sé se contarmos com impressões em países do Leste, árabes e China se possa chegar a um número desses. Mas daí não recebi direitos de autor.
O seu capitão Simonini não se coíbe de falar mal dos franceses, alemães e italianos, para além dos já citados. É politicamente muito incorrecto!
É verdade, o livro é muito pouco correcto sob esse aspecto. Eu queria dar um murro no estômago dos leitores! Que se sente logo nas primeiras coisas que diz - terríveis - sobre os judeus, os alemães e os franceses. Que foram mesmo ditas, como é o caso de que os alemães fazem mais merda do que outros seres humanos, que foi escrita por um senhor com razões evidentemente racistas. Todas as outras acusações contra os alemães foram retiradas de Nietzsche; tal como o que se diz dos judeus, ao início, foram retiradas de Céline; no caso das acusações aos italianos e contra os padres, elas foram ditas por Garibaldi - que cito quase literalmente. Portanto, estas coisas foram realmente ditas e esse murro que dou é com a realidade.
Porque o leitor chega a perguntar--me o que é que Umberto Eco quer fazer com este livro. Criou muitos inimigos entre judeus, jesuítas e maçons ou estes perdoaram-lhe?
Perdoam. E eu não quero inimigos.
Mesmo ao escrever que os judeus tem o seu próprio cheiro...
Que foi dito por Victor Hugo. Se lermos o que Dostoievski escreveu também é terrível. Não inventei nada! Não é um livro sobre os judeus porque não há um judeu sequer no livro a não ser Freud, que passa por lá; nem sobre os jesuítas, mas os discursos dos jesuítas sobre os patriotas italianos. É um livro sobre o discurso anti-semita, ou melhor, é um livro sobre a força do discurso que produz acontecimentos históricos. E o Protocolo é um discurso falso que contribuiu para produzir milhões de mortos.
A parte sobre Freud parece escrita com prazer...
Mesmo neste caso, tudo o que é dito sobre Freud, a cocaína por exemplo, vem das cartas à sua namorada.
O romance faz uma antevisão do futuro e acerta em muita da nossa actualidade. Também é história?
Se alguém escreveu o Protocolo dos Sábios do Sião, e não foi o meu Simonini inventado, tentou sempre dizer o que se iria passar para acusar os judeus de irem fazê-lo. No Protocolo já está a descrição do sistema capitalista que existia, que se apoia em informações até 1900 sobre referências a casos bancários e financeiros dessa época, mas onde se acusava sempre os judeus de serem os responsáveis.
Quem escreveu o Protocolo teria de ter um grande conhecimento da época e de previsão do futuro?
Há páginas que parecem escritas por Berlusconi! Como quando se diz que é preciso fazer televisão para as pessoas ficarem estúpidas...
Quem ler o livro achará que se inspirou em muito em Berlusconi?
É preciso não esquecer que o texto do Protocolo é o da altura, escrito há um século. Há coisas que parecem muito contemporâneas mas resultam do acaso e da lógica dos segredos e das maquinações. É como o caso de Julian Assange e da WikiLeaks, que se desconhecia enquanto escrevia o livro mas que agora até parece ter várias semelhanças e contar a mesma história. Quanto a Berlusconi, só posso dizer que não penso muito nele.
Apesar do paralelismo presente?
Não tenho muita vontade de falar sobre a actualidade - afinal precisamos de viver. Não gosto do que me acontece quando vou ao estrangeiro e vêm perguntar o que penso de Berlusconi em vez de falar sobre os meus livros. Que é o que interessa.